Desde o dia 5 de março, os almoços da família Nogueira ganharam uma alegria diferente em Pelotas, no sul do Rio Grande do Sul. É na mesa, ao lado dos pais, que o estudante Gabriel conta com empolgação cada detalhe de sua nova façanha: a aprovação para o curso de teatro na Universidade Federal de Pelotas (Ufpel). O jovem de 24 anos tem Síndrome de Down e foi um dos selecionados pelo Programa de Avaliação da Vida Escolar (Pave), que analisa o currículo escolar dos alunos.
"Está sendo uma emoção permanente", conta a mãe de Gabriel, Joseane de Almeida, que vibra com cada uma das histórias que o garoto traz das aulas. Em vez de isolar o menino, os pais optaram por outro caminho. Desde a infância, o jovem participou de atividades que despertassem sua criatividade e aptidões. Integrante de um projeto da Ufpel, o Carinho, Gabriel fez aulas de natação e também de dança. “Sou faixa preta em Taekwondo”, conta o estudante que pratica a atividade há alguns anos.
O primeiro filho de um casal pelotense sempre estudou em escolas normais. “Ele nunca repetiu o ano, sempre foi muito esforçado”, diz Joseane. Quando sua irmã mais nova decidiu cursar jornalismo, Gabriel entusiasmou-se com a idéia e também quis virar calouro. “A ideia foi dele. Nos questionávamos se ele iria conseguir, mas ele não se deixa intimidar, é de bem com a vida e conseguiu uma nota suficiente para entrar”.
O estudante é faixa preta em Taekwondo
(Foto: Arquivo Pessoal)
O Pave é um programa da Ufpel paralelo ao Enem, que avalia o desempenho escolar durante todo o ensino médio, possibilitando o ingresso de diferentes pessoas na universidade. A coordenadora do curso de teatro da faculdade explica que diversas provas são desenvolvidas ao longo da vida letiva do concorrente. “O edital tem uma série de peculiaridades. Mas o positivo disso tudo é que mais pessoas estão tendo acesso às universidades”, fala Marina de
Oliveira. Os professores e os colegas de Gabriel também estão entusiasmados com a convivência. “Ele é muito carismático e espontâneo. O maior desafio é dos próprios professores, já que é uma novidade para todos. Estamos construindo novas formas de relacionamento, de construir o conhecimento”, retrata a coordenadora.
Em um curso dividido em três eixos, pedagógico, prático e teórico, a maior dificuldade de Gabriel, segundo sua mãe, será as matérias com caráter mais subjetivo. “Apesar de adorar filosofia, o desafio dele será na compreensão. Ele demora um pouco mais para acompanhar as coisas”, explica. Já no olhar do próprio aluno, estar na universidade tem sido um grande presente. “Eu acho interessante teatro. A matéria que mais gostei até agora é a de improvisação”, conta. Na infância, Gabriel participou de algumas peças na escola. Amante de violão, lançou-se em 2011 na sua primeira interpretação no filme “Down City”, que conta a história de uma pessoa que nasce normal em uma cidade de portadores da Síndrome de Down. Com a vaga garantida na faculdade, o garoto agora faz planos com a namorada. “Comemoramos dois anos em abril. Quero casar e constituir família”, completa, feliz, Gabriel.
"Mas há a vida que é para ser intensamente vivida, há o amor. Que tem que ser vivido até a última gota. Sem nenhum medo. Não mata." Clarice Lispector
Joinha
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